domingo, 18 de outubro de 2009

O início do ano lectivo

Como ainda é raro ler um jornalista que escreva alguma coisa de
jeito sobre Educação, considero da mais elementar justiça citar este
excerto tirado daqui. As palavras são de Mário Ramires, subdirector do
Sol.


"O ano lectivo começou esta semana, com os costumeiros problemas e
mais um: esse, o da campanha contra a gripe A, eleito matéria
extracurricular de frequência obrigatória e prioridade máxima. Ai do
menino, mesmo do primeiro ano, que desde o primeiro dia de aulas não
saiba o bê-á-bá da gripe. O resto tem tempo.

As escolas mobilizaram-se para distribuir panfletos aos estudantes e
pais, trataram de arranjar salas de isolamento para os casos suspeitos
mesmo quando nem para as aulas há instalações de jeito, esgotaram o
stock de gel desinfectante, perderam horas de trabalho em reuniões de
professores e funcionários para pôr em prática os planos de
contingência.

E as normas procedimentais aí estão, feitas à medida das
possibilidades e do zelo de cada um. E, por isso, variam de escola
para escola.

Nalgumas, os pobres miúdos são obrigados a lavar as mãos a cada
espirro ou tossidela. Noutras, os desgraçados professores são
obrigados a manter em cima da sua secretária um boião de gel que cada
aluno é obrigado a utilizar imediatamente a seguir à entrada na sala
de aula e antes de sair para o recreio - em turmas de quase 30 alunos
não é difícil de imaginar o cenário - e ainda sempre que alguém vai ao
quadro e pega no apagador, no giz ou no apontador que outrem usará a
seguir. E por aí fora.

Ainda está para se saber como será num jogo de voleibol, basquetebol
ou andebol numa aula de educação física duma dessas escolas mais
zelosas: cada jogador terá de lavar as mãos a correr depois de passar
a bola?

Um absurdo é o que é. Perda de tempo e de dinheiro.

O respeito das regras básicas de higiene e alguns cuidados acrescidos
são como os caldos de galinha: não fazem mal a ninguém.

Mas pensar em travar a propagação do vírus por usar e abusar de um gel
desinfectante nas salas de aula é o mesmo que acreditar que o vírus
também faz intervalo durante o recreio - ou os miúdos vão deixar de
cumprimentar-se, beijar-se, empurrar-se, cuspir-se, embrulhar-se à
bulha, de beber do mesmo copo ou da mesma garrafa por causa duma coisa
chamada H1N1?

E bem podem dizer-lhes que as pessoas responsáveis guardam distância
de pelo menos metro e meio em relação aos seus interlocutores - nas
outras campanhas, não andam todos aos beijos e abraços nas feiras, nos
mercados e nas ruas, indiferentes aos riscos pandémicos?

A prova de que tudo não passa de um excesso de zelo e descabido
contra-senso é que, esgotado o milagroso gel e face à sua inexistência
em algumas escolas que não deixaram de abrir, a própria ministra da
Saúde veio descansar os professores, técnicos auxiliares, estudantes e
pais com a garantia de que lavar as mãos com o tradicional sabão azul
é, afinal, suficiente.

Tanta preocupação e tanto investimento com o raio do gel xpto e vai de
lá bastavam umas barras de sabão macaco...

...E, já agora, umas garrafinhas de lixívia. É que as nódoas na
Educação e nas escolas vão muito para além dos excessos com a gripe A.

E devia fazer parte das mais elementares regras de higiene mental
acabar com elas.

Cabe lá na cabeça de alguém, por exemplo, que um professor tenha um
conjunto de turmas de diferentes anos com um total de mais de duzentos
alunos e, destes, quase uma vintena em regimes especiais - que
implicam apoio pedagógico individualizado, adaptações curriculares ou
avaliações diferenciadas - e que ainda tenha de dar aulas de
substituição, receber pais, fazer relatórios individuais sobre os
discentes e o mais a que está obrigado? Por junto, não dá para se
dedicar a cada aluno nem um dia por ano.

Já para não falar das aulas em escolas em plenas obras e em tantas
outras que delas tanto precisam e nunca mais as têm ou daquela em que
o amianto foi retirado das paredes e deixado esquecido no pátio.

Em final de legislatura, é natural que a ministra Maria de Lurdes
Rodrigues já vá lavando daí as suas mãos.

Mas as nódoas que deixa na Educação não saem com gel, nem com sabão
macaco ou pedra-pomes... só com lixívia, que é receita antiga mas
eficaz."



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